8/29/2010

Escritos sobre o Hesicasmo

Meditar como uma montanha

Assim começava para o jovem filósofo uma verdadeira iniciação à oração hesicasta. A primeira indicação que lhe fora dada dizia respeito à estabilidade. O enraizamento de uma boa postura.
De fato, o primeiro conselho que podemos dar a alguém que quer meditar não é de ordem espiritual, mas física: sente-se.
Sentar-se como uma montanha, isso quer dizer sentar-se com peso: estar pesado da presença. Nos primeiros dias, o jovem teve muita dificuldade em permanecer assim imóvel, as pernas cruzadas, o quadril ligeiramente mais alto que os joelhos (foi nessa postura que ele encontrara a estabilidade). Uma manhã, ele realmente sentiu o significado de “meditar como uma montanha”. Ele estava ali, com todo seu peso, imóvel. Ele e a montanha formavam um só, silenciosos sob o sol. Sua noção do tempo mudara completamente. As montanhas possuem um outro tempo, um outro ritmo. Estar sentado como uma montanha é ter a eternidade diante de si, é a atitude justa para aquele que quer entrar na meditação: saber que ele tem a eternidade detrás, dentro e diante de si. Antes de erguer uma igreja, era preciso ser pedra e sobre essa pedra (essa solidez imperturbável do rochedo), Deus pôde erguer sua Igreja e fazer do corpo do homem o seu templo. Era dessa forma que ele compreendia o sentido das palavras evangélicas: “És pedra e sobre essa pedra edificarei minha igreja.”
Assim ele permaneceu durante várias semanas. O mais difícil para ele era passar horas “sem fazer nada”. Era preciso reaprender a ser, simplesmente ser – sem objetivo nem motivo. Meditar como uma montanha era a própria meditação do Ser, “do simples fato de Ser”, antes de todo pensamento, todo prazer e toda dor. O padre Serafim o visitava todos os dias, compartilhando com ele seus tomates e suas azeitonas. Apesar dessa dieta frugal, o jovem parecia ter ganhado peso. Seu caminhar estava mais tranqüilo. A montanha parecia ter entrado na sua pele. Ele sabia respeitar o tempo, acolher as estações, permanecer em silêncio e ficar tranqüilo como uma terra por vezes dura e árida, mas por vezes também como o flanco de uma colina à espera da época da colheita.
Meditar como uma montanha também modificara o ritmo dos seus pensamentos. Ele aprendera a “ver” sem julgar, como se ele desse a tudo aquilo que brota sobre a montanha o “direito de existir”.
Certo dia, alguns peregrinos o tomaram por um monge; impressionados pela qualidade da presença, eles pediram-lhe uma bênção. Ele nada respondeu, imperturbável como a pedra. Tendo sabido disso, naquela mesma noite o Padre Serafim começou a lhe dar bastonadas... O jovem homem se pôs então a gemer.
“Ah bom, eu achei que você tivesse se tornado tão estúpido quanto as pedras do caminho... A meditação hesicasta tem um enraizamento, a estabilidade das montanhas, mas seu objetivo não é fazer de você um cepo morto, mas um homem vivo.”
Ele tomou o jovem pelo braço e o conduziu até o fundo do jardim onde, entre as ervas selvagens, eles conseguiam divisar algumas flores. “Agora não se trata mais de meditar como uma montanha estéril. Aprenda a meditar como uma papoula, mas não esqueça da montanha...”


Meditar como uma papoula

Foi assim que o jovem aprendeu a florescer... A meditação é antes de tudo uma postura e foi isso o que a montanha lhe havia ensinado. A meditação também é uma “orientação” e era isso o que a papoula estava ensinando-lhe agora: voltar-se em direção ao sol, voltar-se do mais profundo de si mesmo em direção à luz. Aspirar em todo seu sangue, toda a seiva.
Essa orientação voltada ao belo, à luz, fazia com que ele às vezes ficasse vermelho como uma papoula. Era como se a “bela luz” fosse a luz de um olhar que lhe sorria, esperando dele um perfume qualquer... Junto à papoula, ele aprendeu igualmente que, para permanecer na sua orientação, a flor deveria ter “a haste ereta” e ele começou a endireitar a coluna vertebral.
Isso lhe colocou alguns problemas, pois ele tinha lido em alguns textos da Filocalia que o monge deveria estar ligeiramente curvado. Algumas vezes, até mesmo sentindo dor. O olhar voltado para o coração e as entranhas.
Ele pediu ao padre Serafim algumas explicações. Os olhos do staretz o olharam com malícia: “Isso era para os fortões d’outrora. Eles eram cheios de energia, e era preciso lembrar-lhes a humildade da sua condição humana, que eles se curvem um pouco durante a meditação – isso não lhes fará nenhum mal... Mas você, você tem necessidade de energia, então, no momento da meditação, endireite-se, esteja vigilante, mantenha-se ereto e voltado para a luz, mas sem orgulho... aliás, se você observar bem a papoula, ela lhe ensinará não apenas a retidão da haste, mas também uma certa maleabilidade sob as inspirações do vento e também uma grande humildade...”
De fato, o ensinamento da papoula também estava presente na sua fugacidade, na sua fragilidade. Era preciso aprender a florescer, mas também a fanar. O jovem compreendeu melhor as palavras do profeta:
“Toda carne é como a grama e sua delicadeza é como a das flores dos campos. A grama seca, a flor murcha... As nações são como uma gota de orvalho na beira de um balde... Os juízes da terra acabarão de ser plantados, sua haste acabou de deitar raízes na terra... e então eles secarão e a tempestade os levará como uma palha.” (Isaías 40).
A montanha tinha lhe dado o sentido da Eternidade, a papoula lhe ensinava a fragilidade do tempo: meditar é conhecer o Eterno na fugacidade do instante, um instante reto, bem orientado. É florescer o tempo que nos é dado a florescer, amar o tempo que nos é dado a amar, gratuitamente, sem porquê, pois para quem? Por que florescem as papoulas?
Assim, ele aprendeu a meditar “sem objetivo nem ganho”, apenas pelo prazer de ser e de amar a luz. “O amor é a sua própria recompensa”, dizia ainda Ângelus Silesius. “É a montanha que floresce na papoula, pensou o jovem. É todo o universo que medita em mim. Que ele possa ficar vermelho de alegria enquanto durar minha vida.” Esse pensamento certamente era demais. O padre Serafim começou a sacudir o nosso filósofo e mais uma vez o tomou pelo braço. Ele o conduziu por um caminho escarpado que levava até a beira do mar, a uma pequena praia deserta. “Pare de ruminar como uma vaca o bom senso das papoulas... Tenha também o coração marinho. Aprenda a meditar como o oceano.”

Meditar como o oceano

O jovem aproximou-se do mar. Ele tinha adquirido uma boa base e uma orientação reta. Ele estava na boa postura. O que lhe faltava? O que o marulhar do oceano poderia lhe ensinar? O vento se ergueu. O fluxo e o refluxo do mar tornaram-se mais profundos e isso despertou nele a lembrança do oceano. O velho monge tinha aconselhado-o, de fato, a meditar “como o oceano” e não como o mar. Como ele tinha adivinhado que o jovem tinha passado longas horas às margens do Atlântico, sobretudo à noite e que ele já conhecia a arte de acordar seu sopro com a grande respiração das ondas. Eu inspiro, eu expiro..., depois, eu sou inspirado, eu sou expirado. Eu me deixo levar pelo sopro, assim como nos deixamos levar pelas ondas... Assim ele se deixava ser carregado pelo ritmo das respirações oceânicas. Mas a gota de oceano que outrora “dissipava-se no mar”, guardava hoje sua forma, sua consciência. Será que isso era o efeito da sua postura? Do seu enraizamento na terra? Ele não era mais levado pelo ritmo aprofundado da sua respiração. A gota d’água guardava sua identidade e, no entanto, ela sabia “ser uma” com o oceano. Foi assim que o jovem aprendeu que meditar é respirar profundamente, deixar ser o fluxo e o refluxo do sopro.
Ele aprendeu igualmente que, mesmo havendo ondas na superfície, o fundo do oceano permanecia tranqüilo. Os pensamentos vão e vêm, nos fazem espumar, mas o fundo continua imóvel. Meditar a partir das ondas que somos para perdermos o pé e deitarmos raízes no fundo do oceano. Tudo isso tornava-se a cada dia um pouco mais vivo para ele e ele se lembrava das palavras de um poeta que o marcara nos tempos da sua adolescência: “A Existência é um mar incessantemente cheio de ondas. Desse mar as pessoas normais só percebem as ondas. Veja como, das profundezas do mar, inumeráveis ondas aparecem na superfície, enquanto o mar permanece oculto nas ondas”. Hoje o mar lhe aparecia menos "oculto nas ondas”, a unicidade de todas as coisas lhe parecia mais evidente, e isso não abolia o múltiplo. Ele tinha menos necessidade de opor o fundo e a forma, o visível e o invisível. Tudo isso constituía o oceano único da vida.
No fundo do seu sopro não se encontrava o Ruah? O pneuma? O grande sopro de Deus?
“Aquele que escuta com atenção sua respiração, lhe disse então o velho monge Serafim, não está longe de Deus.”
“Escute quem está no final do teu expirar. Quem está na fonte do teu inspirar.” Realmente, existia ali alguns segundos de silêncio mais profundos do que o fluxo e o refluxo das ondas, e havia ali algo que parecia carregar o oceano...


Meditar como um pássaro

Estar em uma boa postura, estar orientado em direção à luz, respirar como um oceano... isso ainda não é a oração hesicasta, lhe disse o Padre Serafim. "Agora você deve aprender a meditar como um pássaro", e ele o levou até uma pequena célula próxima à sua ermida onde viviam duas rolas. De início, o arrulhar desses dois pequenos animais lhe pareceu charmoso, mas não demorou para que esse som irritasse o jovem filósofo. De fato, elas escolhiam o momento onde ele estava caindo de sono para arrulhar as mais ternas palavras. Ele perguntou ao velho monge o que tudo isso significava e se essa comédia iria durar muito tempo. A montanha, o oceano, a papoula ainda passavam (mesmo que possamos nos perguntar o que existe de cristão nisso tudo), mas, agora, propor-lhe essa ave langorosa como mestre de meditação, era demais! O padre Serafim explicou-lhe que no Antigo Testamento, a meditação é expressa pelos termos da raiz “haga”, frequentemente traduzido para o grego por mélété – meletan – e para o latim pormeditaria – meditatio. Em seu sentido primitivo, essa raiz queria dizer “murmurar em voz baixa”. Ela é igualmente utilizada para designar os gritos dos animais, por exemplo, o rugir do leão (Isaías 31, 4), o piar das andorinhas e o canto da pomba (Isaías 38, 14), mas também o grunhido dos ursos.
“Não temos ursos no Monte Athos. É por esta razão que o trouxe até as rolas, mas o ensinamento é o mesmo. É preciso meditar com a sua garganta, não apenas para acolher o sopro, mas também para murmurar o nome de Deus noite e dia...”
Quando você está feliz, quase sem se dar conta, você cantarola, você às vezes murmura palavras sem sentido e esse murmúrio faz todo o seu corpo vibrar de alegria simples e serena.
Meditar é murmurar como a rola, deixar subir em si esse canto que vem do coração, assim como você aprendeu a deixar subir em você o perfume que vem da flor... meditar é respirar cantando. Sem nos demorarmos muito no significado agora, eu proponho que você repita, murmure, cantarole as palavras que estão no coração de todos os monges do Athos: “Kyrie eleison, kyrie eleison...” Isso não agradou muito ao jovem filósofo. Ele já tinha ouvido essas palavras em algumas celebrações de casamento ou enterro; em francês elas eram traduzidas por: “Senhor, tenha piedade”.
O monge Serafim começou a sorrir: “Sim, esse é um dos significados dessa invocação, mas há muitos outros. Essas palavras também querem dizer: “Senhor, envie teu Espírito...! Que a tua ternura esteja sobre mim e sobre todos, que teu Nome seja abençoado, etc...”, mas não procure compreender o sentido dessa invocação, ele se revelará sozinho a você. Por enquanto, esteja sensível e atento à vibração que ela desperta em seu corpo e em seu coração. Tente harmonizar pacificamente essa invocação com o ritmo da sua respiração. Quando os pensamentos o atormentarem, volte suavemente a essa invocação, respire mais profundamente, mantenha-se ereto e imóvel e você conhecerá um início dehesychia, a paz que Deus dá, incomensuravelmente, àqueles que o amam. Passados alguns dias, o “Kyrie eleison” tornou-se um pouco mais familiar. Ele o acompanhava assim como o zumbir acompanha a abelha quando ela faz o seu mel. Ele nem sempre o repetia com os lábios. O zumbido tornara-se mais interior e sua vibração mais profunda.
O “Kyrie eleison” que ele renunciara a “pensar” acerca do seu significado, o conduzia por vezes a um silêncio desconhecido e ele se encontrava na atitude do apóstolo Tomé quando este descobriu o Cristo ressuscitado: “Kyrie eleison”, Meu Senhor é meu Deus.
A invocação o mergulhou pouco a pouco em um clima de intenso respeito por tudo aquilo que existe. Mas também de adoração por aquilo que mantém-se oculto na raiz de todas as existências. O padre Serafim disse-lhe então: “Agora você não está longe de meditar como um homem. Eu devo ensinar-lhe a meditação de Abraão.”


Meditar como Abraão

Até aqui o ensinamento do stárets fora de ordem natural e terapêutica. Os antigos monges, segundo o testemunho de Philon de Alexandria, eram, de fato, “terapeutas”. Seu papel, antes de conduzirem à iluminação, era o de curar a natureza, colocá-la em melhores condições para que ela pudesse receber a graça, a graça que não contradizia a natureza, mas a restaurava e a realizava. Era isso que o homem idoso estava fazendo com o jovem filósofo, ensinando-lhe um método de meditação que alguns poderiam chamar de “puramente natural”. A montanha, a papoula, o oceano, o pássaro – tantos elementos da natureza que lembram ao homem que ele deve, antes de ir mais longe, recapitular os diferentes níveis do ser, ou ainda os diferentes reinos que compõem o macrocosmo. O reino mineral, o reino vegetal, o reino animal... Frequentemente o homem perde o contato com o cosmos, com o rochedo, com os animais e isso acaba provocando nele todo tipo de doenças, de mal-estares, de insegurança, de ansiedade. Ele se sente “demais”, estranho e estrangeiro no mundo. Meditar era primeiro entrar na meditação e no louvor do universo, pois “todas as coisas sabem orar antes de nós”, dizem os padres. O homem é o lugar onde a oração do mundo toma consciência dela mesma. O homem está aqui para nomear aquilo que todas as criaturas balbuciam. Com a meditação de Abraão, nós entramos em uma nova e mais elevada consciência que chamamos de fé, ou seja, a adesão da inteligência e do coração a esse “Tu” ou a esse “Você” que é, que transparece quando chamamos todas os seres pelos seus primeiros nomes. Essa é a experiência e a meditação de Abraão: atrás do estremecer das estrelas, existem mais do que estrelas, uma presença difícil de nomear, que nada pode nomear e que no entanto possui todos os nomes...
É algo maior do que o universo e que, no entanto, não pode ser compreendido fora do universo. A diferença que existe entre Deus e a natureza é a diferença que existe entre o azul do céu e o azul de um olhar... Abraão estava em busca desse olhar além de todos os azuis... Após ter aprendido a sentar, após ter aprendido o enraizamento, a orientação positiva em direção à luz, a respiração apaziguada dos oceanos, o canto interior, o jovem era convidado ao despertar do coração. “De repente, você é alguém”. Aquilo que é próprio ao coração, de fato, é personalizar todas as coisas e, nesse caso, personalizar o Absoluto, a Fonte de tudo aquilo que é e respira, nomeá-la, chamá-la de “Meu Deus”, “Meu Criador” e caminhar em Sua presença. Meditar, para Abraão, é manter, sob as mais variadas formas, o contato com essa Presença. Essa forma de meditação entra nos detalhes concretos da vida quotidiana. O episódio do carvalho de Mambré nos mostra Abraão “sentado à entrada da tenda, na hora mais quente do dia” e ali ele vai acolher três estrangeiros que vão se revelar como enviados de Deus. Meditar como Abraão, dizia o Padre Serafim, “é praticar a hospitalidade, o copo d’água que damos àquele que tem sede, não se afaste do silêncio, ele o aproxima da fonte.” Meditar como Abraão, você compreende, desperta não apenas em você a paz e a luz, mas também o Amor por todos os homens.” E o padre Serafim leu para o jovem a famosa passagem do livro do Gênesis onde se fala da intercessão de Abraão:
“Abraão estava diante de YHWH, Aquele que é – que era – que será.” Ele aproximou-se e disse: “Vais realmente suprimir o justo junto com o pecador? Talvez haja cinqüenta justos na cidade, vais realmente suprimi-los e não perdoarás a cidade devido aos cinqüenta justos que estão no seu seio...?”
Abraão, pouco a pouco, teve que reduzir o número de justos para que Sodoma não fosse destruída. “Que o meu Senhor não se irrite e falarei uma última vez: talvez encontremos dez justos...” (cf. Gênesis 18, 16) Meditar como Abraão é interceder pela vida dos homens, nada ignorar da sua podridão e, no entanto, “jamais desesperar da misericórdia de Deus”. Esse tipo de meditação liberta o coração de todo julgamento e de toda condenação, em qualquer tempo ou lugar; quaisquer que sejam os horrores que você venha a contemplar, ele chama o perdão e a bênção. Meditar como Abraão nos leva ainda mais longe. A palavra tinha dificuldade em sair da garganta do padre Serafim, como se ele tivesse querido poupar o jovem de uma experiência pela qual ele próprio tivera que passar e que despertava na sua lembrança um sutil tremor: isso pode nos levar até ao Sacrifício... e ele citou a passagem do Gênesis onde Abraão se mostra pronto a sacrificar seu próprio filho Isaac. “Tudo pertence a Deus, continuou o padre Serafim, murmurando. Tudo é dele, por ele e para ele”; meditar como Abraão o conduz a essa total falta de posse de si mesmo e daquilo que você tem de mais caro... procure aquilo que lhe é mais caro, aquilo com o qual você identifica o seu eu: para Abraão era o seu filho, seu único filho. Se você é capaz desse dom, desse abandono total, dessa infinita confiança naquele que transcende toda razão e todo bom senso, tudo lhe será dado cem vezes mais: “Deus proverá”. Meditar como Abraão é não ter nada no coração e na consciência “além d’Ele”. Quando ele subiu até o topo da montanha, Abraão só pensava em seu filho. Quando ele desceu, ele só pensava em Deus.
Passar pelo cimo do sacrifício é descobrir que nada pertence ao “eu”. Meditar como Abraão é unir-se pela fé àquele que transcende o Universo, é praticar a hospitalidade, interceder pela salvação de todos os homens. É esquecer-se a si mesmo e romper os apegos mais legítimos para descobrir-se a si mesmo, nossos próximos e todo o Universo, habitado pela infinita presença “d’Aquele Único que É”.


Meditar como Jesus

O padre Serafim mostrou-se cada vez mais discreto. Ele sentia os progressos feitos pelo jovem na sua meditação e na sua oração. Ele o surpreendera diversas vezes com o rosto banhado de lágrimas, meditando como Abraão e intercedendo por todos os homens. “Meu Deus, misericórdia, o que vai ser dos pecadores...?” Um dia o jovem veio até ele e perguntou: “Pai, por que o senhor nunca me fala de Jesus? Qual era a sua oração, sua maneira de meditar? Não falamos de outra coisa durante a liturgia e os sermões. Na oração do coração, como nos fala a Filocalia, é o seu nome que devemos invocar. Por que o senhor não me fala nada a respeito?”
O padre Serafim tinha o ar perturbado. Era como se o jovem lhe pedisse algo indecente, como se fosse preciso revelar seu próprio segredo. Quanto maior é a revelação que recebemos, tanto maior deve ser a humildade daquele que a transmite. Sem dúvida, ele não se sentia humilde o suficiente: “Isso, apenas o Espírito Santo pode ensinar-lhe. Ninguém sabe quem é o Filho, senão o Pai; nem quem é o Pai, senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar.” (Lucas 10, 22). É preciso que você se torne filho para orar como o filho e manter com Aquele que ele chama de seu Pai e nosso Pai as mesmas relações de intimidade que Ele e isso é obra do Espírito Santo, ele o lembrará de tudo aquilo que Jesus disse. O Evangelho se tornará vivo em você e ele lhe ensinará a orar como é preciso.” O jovem insistiu. “Diga-me alguma coisa a mais.” O velho sorriu. “Agora, o melhor que eu tenho a fazer é começar a latir. Mas você também tomaria isso por um sinal de santidade. Então, é melhor simplesmente dizer-lhe as coisas.”
Meditar como Jesus recapitula todas as formas de meditação que eu ensinei até agora. Jesus é o homem cósmico. Ele sabia meditar como a montanha, como a papoula, como o oceano, como a pomba. Ele também sabia meditar como Abraão. O coração não tinha limites, ele amava até seus inimigos, seus carrascos: “Pai, perdoai-os, eles não sabem o que fazem”. Ao praticar a hospitalidade para com aqueles que chamamos de doentes e de pecadores, paralíticos, prostitutas, colaboradores... À noite ele se retirava para orar em segredo e aí, ele murmurava como uma criança: “abba”, o que quer dizer “papai”... Isso pode lhe parecer irrisório, chamar de “papai” o Deus transcendente, infinito, incomparável, que está além de tudo! É quase ridículo e, no entanto, essa é a oração de Jesus e nessa simples palavra, tudo era dito. O céu e a terra tornam-se terrivelmente próximos. Deus e o homem fazem apenas um. Talvez seja necessário dizer “papai” à noite para compreender isso... Mas hoje em dias essas relações íntimas de um pai e de uma mãe com seus filhos não querem dizer mais nada. Talvez essa seja uma imagem ruim...?
É por essa razão que eu prefiro nada dizer, não utilizar nenhuma imagem e esperar que o Espírito Santo coloque em você os sentimentos e o conhecimento que estavam em Jesus Cristo e que esse “abba” não venha da ponta dos seus lábios mas do fundo do seu coração. Nesse dia, você começará a compreender o que é a oração e a meditação hesicastas.” Agora, vá!

O jovem ficou ainda alguns meses no Monte Athos. A oração de Jesus o conduziu aos abismos, por vezes aos limites de uma certa “loucura”: Não sou mais eu que vivo, é o Cristo que vive em mim” – a exemplo de São Paulo, ele podia dizer essas palavras. Delírio de humildade, de intercessão, de desejo “que todos os homens sejam salvos e alcancem o pleno conhecimento da verdade.” Ele tornou-se Amor, ele tornou-se fogo. A sarça ardente não era mais uma metáfora, mas uma realidade: “Ele queimava e, no entanto, ele não era consumido.” Estranhos fenômenos de luz visitavam o seu corpo. Alguns diziam tê-lo visto caminhar sobre a água ou manter-se sentado, imóvel, a trinta centímetros do chão...
Dessa vez, o padre Serafim começou a latir: “Chega! Agora, vá!” e ele pediu que ele deixasse o Monte Athos, que ele voltasse para casa e ali ele veria o que sobrava das suas belas meditações hesicastas!... O jovem partiu. Ele voltou para a França. Acharam que ele tinha emagrecido e não acharam nada de espiritual na sua barba de aspecto sujo e seu ar negligente... Mas a vida da cidade não fez com que ele esquecesse o ensinamento do seu stárets!
Quando ele se sentia muito agitado, sempre sem tempo, ele ia se sentar como uma montanha na varanda de um café. Quando ele sentia em si o orgulho, a vaidade, ele lembrava-se da papoula, “toda flor murcha”, e novamente seu coração voltava-se para a luz que não passa. Quando a tristeza, a raiva, o desgosto invadiam sua alma, ele respirava ao largo, como um oceano, ele tomava fôlego no sopro de Deus, ele invocava seu Nome e murmurava: “Kyrie eleison...” Quando ele via o sofrimento dos homens, sua maldade e sua impotência em mudar alguma coisa, ele se lembrava da meditação de Abraão. Quando ele era caluniado, quando diziam coisas infames a seu respeito, ela ficava feliz por meditar com o Cristo... Externamente, ele era um homem como os outros. Ele não procurava ter “ares de santo”... Ele até esquecera que praticava o método da oração hesicasta, ele simplesmente tentava amar Deus instante após instante e caminhar na Sua Presença...

8/05/2010

Custo do Sucesso

Se o sucesso não tivesse um custo, todo mundo seria um sucesso. Se as conquistas não tivessem um custo, todos seríamos conquistadores. Se a felicidade não exigisse dedicação, ela perderia o sentido. Temos a tendência de pensar em grandes conquistas levando em conta apenas o resultado final. Mas geralmente isso é só uma gota. A conquista mesmo está no fazer, no esforço, na dedicação, no custo exigido. Ter uma vida de sucessos não significa acumular troféus e prêmios, mas sim estar disposto a comprometer-se com o custo que esse sucesso exige.

Ser um sucesso exige esforço, dedicação, disciplina, foco, paixão, e muitas outras qualidades que não podem ser guardadas num armazém – mas que devem ser exercitadas em todos os momentos. No preço que você paga está o valor que você procura