Um novo Papa
“Vai, Francisco, e reconstrói a minha Igreja” (palavras de Jesus ouvidas por Francisco de Assis, aos 24 anos de idade, segundo seus biógrafos)
Toda religião, qualquer religião, assenta-se em dogmas, que são verdades que devem ser aceitas sem tugir nem mugir. Numa época de rebeldia, como a atual, uma afirmação dessas soa como uma bofetada, um atentado aos direitos fundamentais da pessoa humana. Basta um exemplo bastante simples para demonstrar que essa indignação é fruto da ignorância. Suponha que você é convidado para um baile de formatura. O convite diz traje rigor. “Isso é um absurdo, pois eu tenho o direito de vestir-me como bem entender”, dirá você. E irá ao baile de tênis e calção, exercendo um “direito fundamental”. Não preciso dizer o que ocorrerá quando você tentar entrar na festa. Um dos responsáveis pela segurança certamente lhe dirá “ou você se traja de acordo com a natureza da festa ou não poderá entrar”. E ninguém dirá que ele está errado.
Mal comparando, com a religião ocorre o mesmo. Ou você aceita as regras que regem a conduta dos fiéis ou fica de fora, mesmo porque você não é obrigado a adotar esta ou aquela religião. O que não faz sentido é cada um fazer uma religião adaptada a seus usos e costumes.
O catolicismo, por exemplo, palavra que significa universal, é uma religião que se esparrama por várias culturas e por sociedades que se pretendem democráticas. Sua estrutura, no entanto, não é nem pode ser democrática, dada a premissa de que ela age sob a inspiração do Espírito Santo, outra verdade irrecusável, tendo como cabeça visível o Papa. O dogma central em que se assenta ela é a identidade absoluta entre Jesus e Deus. Assim, ou você aceita essa verdade sem discutir, ou vai procurar outra festa, que tenha exigências mais palatáveis. Por mais anticientífica que seja a história de Maria, também é ela questão de fé. Aliás, enquanto ela é branca na Europa é negra no Brasil. Como isso é possível? “A Deus nada é impossível” certamente lhe responderá um teólogo.
Ficou famoso o bate boca entre o monge dissidente Pelagius e aquele que viria a ser Santo Agostinho. Nessa e em outras dissidências o que se pretende é que qualquer pessoa que tenha uma vida correta deve ser aceita como cristã. Nada contra isso, evidentemente. O problema está no verbo “aceitar”. Aceitar por quem? A Igreja, a quem cabia dar a última palavra (e para a qual só os católicos podiam considerar-se cristãos), decretou que o Pelagismo era heresia, pois contraria dogmas da Igreja.
Postas essas questões, como fica aquilo que muitos chamam de “necessidade de modernização” da Igreja Católica?
Em primeiro lugar, é bastante óbvio que as religiões compreendem, como tudo o mais, “forma” e “fundo”. Por “fundo” devemos entender tudo aquilo que deve permanecer imutável, pois é da essência dessa determinada religião. “Forma”, ao contrário, compreende os meios pelos quais essas verdades inquestionáveis chegam até os fiéis. Os ritos, por exemplo.
Ao que se diz na biografia de Sidarta Gautama Sakia Muni, meditou ele durante 49 dias à sombra de um baobá, o que lhe permitiu ser um “iluminado” (Buda). Em que afetaria a crença de um budista discutirmos se foram, de fato 49 ou 29 dias? Ou se a árvore era um baobá ou um carvalho?
O Judaísmo usa a expressão “Terra prometida”, dando-lhe um sentido físico. Isso diz com o fundo ou com a forma daquela religião? O teólogo jesuíta e cientista Teilhard de Chardin passou a vida tentando mostrar que fé e ciência não se excluem, pois cuidam de assuntos diversos. Para ele, nem mesmo uma criança acreditaria que o Paraíso (ou Terra Prometida) seria um campo verde onde o leão pasta ao lado da ovelha. O texto bíblico, diz ele, usa de uma paráfrase para dar ideia do que seja a paz desejada por todos. No capítulo X do livro de Josué diz-se que, por determinação de Javé, “o sol se deteve e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos”. É claro que isso não condiz com o que nos diz a Astronomia.
Havendo morrido em 1955, deixou escrito, em Mundo, Homem e Deus: “Tenho tentado, nestes últimos anos, circunscrever e definir a razão exata pela qual o Cristianismo, apesar de uma certa renovação de sua tarefa junto aos meios conservadores (ou não desenvolvidos) do mundo, está decididamente prestes a perder, sob os nossos olhos, seu prestígio e seu poder atrativo sobre a parte mais influente e mais progressiva da Humanidade. Não apenas para os Gentios ou simples fiéis, mas até mesmo no âmago das ordens religiosas, o Cristianismo ainda abriga parcialmente, mas já não recobre, nem satisfaz, nem mais conduz a ‘alma moderna’. Algo já não funciona e, portanto, algo é esperado a curto prazo no planeta, em matéria de fé e de religião. Mas o que precisamente?”
É algo que parecer ter sido escrito ontem, a mostrar que, no Cristianismo, essa disputa entre fé e ciência é mais antiga do que a Sé de Braga, para usar uma imagem bem adequada ao tema.
Aliás, pouca gente sabe que a teoria segundo a qual o Universo se teria originado da “explosão” de uma substância que havia sido submetida a uma compressão insuportável e que os céticos apelidaram de Big bang, foi proposta pelo belga Georges-Henri Édouard Lemaître, morto em 1966, que, além de físico, era sacerdote católico.
Por outro lado, o astrofísico Stephen Hawking, ao falar do Grande Projeto relativo à criação do Universo, tenta conciliar a relatividade de Einstein com a física quântica, mesmo afirmando serem elas incompatíveis quando se cuida do macrocosmo. “Deve haver um modo de conciliá-las” conclui ele, admitindo que a física, quanto a isso, lida com elementos apenas supostos, incapaz de demonstrar sua real existência. “O fato de que nós seres humanos tenhamos sido capazes de chegar tão perto da compreensão das leis que governam nosso universo e a nós mesmos é um grande triunfo”, diz ele. “Mas talvez o verdadeiro milagre seja que considerações lógicas abstratas conduzem a uma teoria única que prevê e descreve um vasto universo, repleto da espantosa variedade que vemos. Se a teoria for confirmada pela observação, será a conclusão bem sucedida de uma busca que remonta a mais de três mil anos”, conclui.
Prefiro ficar com S. Agostinho: “Creio para compreender”.
texto enviado pelo amigo Adauto A. S. Suannes
Toda religião, qualquer religião, assenta-se em dogmas, que são verdades que devem ser aceitas sem tugir nem mugir. Numa época de rebeldia, como a atual, uma afirmação dessas soa como uma bofetada, um atentado aos direitos fundamentais da pessoa humana. Basta um exemplo bastante simples para demonstrar que essa indignação é fruto da ignorância. Suponha que você é convidado para um baile de formatura. O convite diz traje rigor. “Isso é um absurdo, pois eu tenho o direito de vestir-me como bem entender”, dirá você. E irá ao baile de tênis e calção, exercendo um “direito fundamental”. Não preciso dizer o que ocorrerá quando você tentar entrar na festa. Um dos responsáveis pela segurança certamente lhe dirá “ou você se traja de acordo com a natureza da festa ou não poderá entrar”. E ninguém dirá que ele está errado.
Mal comparando, com a religião ocorre o mesmo. Ou você aceita as regras que regem a conduta dos fiéis ou fica de fora, mesmo porque você não é obrigado a adotar esta ou aquela religião. O que não faz sentido é cada um fazer uma religião adaptada a seus usos e costumes.
O catolicismo, por exemplo, palavra que significa universal, é uma religião que se esparrama por várias culturas e por sociedades que se pretendem democráticas. Sua estrutura, no entanto, não é nem pode ser democrática, dada a premissa de que ela age sob a inspiração do Espírito Santo, outra verdade irrecusável, tendo como cabeça visível o Papa. O dogma central em que se assenta ela é a identidade absoluta entre Jesus e Deus. Assim, ou você aceita essa verdade sem discutir, ou vai procurar outra festa, que tenha exigências mais palatáveis. Por mais anticientífica que seja a história de Maria, também é ela questão de fé. Aliás, enquanto ela é branca na Europa é negra no Brasil. Como isso é possível? “A Deus nada é impossível” certamente lhe responderá um teólogo.
Ficou famoso o bate boca entre o monge dissidente Pelagius e aquele que viria a ser Santo Agostinho. Nessa e em outras dissidências o que se pretende é que qualquer pessoa que tenha uma vida correta deve ser aceita como cristã. Nada contra isso, evidentemente. O problema está no verbo “aceitar”. Aceitar por quem? A Igreja, a quem cabia dar a última palavra (e para a qual só os católicos podiam considerar-se cristãos), decretou que o Pelagismo era heresia, pois contraria dogmas da Igreja.
Postas essas questões, como fica aquilo que muitos chamam de “necessidade de modernização” da Igreja Católica?
Em primeiro lugar, é bastante óbvio que as religiões compreendem, como tudo o mais, “forma” e “fundo”. Por “fundo” devemos entender tudo aquilo que deve permanecer imutável, pois é da essência dessa determinada religião. “Forma”, ao contrário, compreende os meios pelos quais essas verdades inquestionáveis chegam até os fiéis. Os ritos, por exemplo.
Ao que se diz na biografia de Sidarta Gautama Sakia Muni, meditou ele durante 49 dias à sombra de um baobá, o que lhe permitiu ser um “iluminado” (Buda). Em que afetaria a crença de um budista discutirmos se foram, de fato 49 ou 29 dias? Ou se a árvore era um baobá ou um carvalho?
O Judaísmo usa a expressão “Terra prometida”, dando-lhe um sentido físico. Isso diz com o fundo ou com a forma daquela religião? O teólogo jesuíta e cientista Teilhard de Chardin passou a vida tentando mostrar que fé e ciência não se excluem, pois cuidam de assuntos diversos. Para ele, nem mesmo uma criança acreditaria que o Paraíso (ou Terra Prometida) seria um campo verde onde o leão pasta ao lado da ovelha. O texto bíblico, diz ele, usa de uma paráfrase para dar ideia do que seja a paz desejada por todos. No capítulo X do livro de Josué diz-se que, por determinação de Javé, “o sol se deteve e a lua parou, até que o povo se vingou de seus inimigos”. É claro que isso não condiz com o que nos diz a Astronomia.
Havendo morrido em 1955, deixou escrito, em Mundo, Homem e Deus: “Tenho tentado, nestes últimos anos, circunscrever e definir a razão exata pela qual o Cristianismo, apesar de uma certa renovação de sua tarefa junto aos meios conservadores (ou não desenvolvidos) do mundo, está decididamente prestes a perder, sob os nossos olhos, seu prestígio e seu poder atrativo sobre a parte mais influente e mais progressiva da Humanidade. Não apenas para os Gentios ou simples fiéis, mas até mesmo no âmago das ordens religiosas, o Cristianismo ainda abriga parcialmente, mas já não recobre, nem satisfaz, nem mais conduz a ‘alma moderna’. Algo já não funciona e, portanto, algo é esperado a curto prazo no planeta, em matéria de fé e de religião. Mas o que precisamente?”
É algo que parecer ter sido escrito ontem, a mostrar que, no Cristianismo, essa disputa entre fé e ciência é mais antiga do que a Sé de Braga, para usar uma imagem bem adequada ao tema.
Aliás, pouca gente sabe que a teoria segundo a qual o Universo se teria originado da “explosão” de uma substância que havia sido submetida a uma compressão insuportável e que os céticos apelidaram de Big bang, foi proposta pelo belga Georges-Henri Édouard Lemaître, morto em 1966, que, além de físico, era sacerdote católico.
Por outro lado, o astrofísico Stephen Hawking, ao falar do Grande Projeto relativo à criação do Universo, tenta conciliar a relatividade de Einstein com a física quântica, mesmo afirmando serem elas incompatíveis quando se cuida do macrocosmo. “Deve haver um modo de conciliá-las” conclui ele, admitindo que a física, quanto a isso, lida com elementos apenas supostos, incapaz de demonstrar sua real existência. “O fato de que nós seres humanos tenhamos sido capazes de chegar tão perto da compreensão das leis que governam nosso universo e a nós mesmos é um grande triunfo”, diz ele. “Mas talvez o verdadeiro milagre seja que considerações lógicas abstratas conduzem a uma teoria única que prevê e descreve um vasto universo, repleto da espantosa variedade que vemos. Se a teoria for confirmada pela observação, será a conclusão bem sucedida de uma busca que remonta a mais de três mil anos”, conclui.
Prefiro ficar com S. Agostinho: “Creio para compreender”.
texto enviado pelo amigo Adauto A. S. Suannes