5/03/2006

Denis Rezende X Café Journal


Bate Papo Cozinha Profissional por Wagner Sturion wagner.sturion@banas.com.br Dez. de 2005 www.cozinhaprofissional.com.br



Aos 19 anos de idade, Denis Rezende começou a trabalhar na empresa do pai, fabricante de laminados técnicos industriais, com linha de produtos destinados às montadoras de automóveis e às indústrias do ramo eletroeletrônico.
“Nessa época, especializei-me em implementação de sistemas de garantia da qualidade, normas ISO 9000, que começavam a ser exigidas por nossos principais clientes. Aos 21 anos, já comandava o departamento da qualidade e a programação de produção”, lembra. Com a abertura das importações, após o Plano Collor, conta Rezende, a indústria teve dificuldades para concorrer com produtos similares, principalmente os de origem chinesa, que chegavam com valores bem abaixo daqueles aplicados por sua empresa. “Em 1997, nos desfizemos da indústria. Na busca por novos segmentos de atuação, surgiu uma recém-inaugurada casa de nome Café Journal, com sérios problemas de gestão. Conseguimos fazer um bom negócio, mas todos diziam ser uma loucura, pois não éramos do ramo.” O caminho para sanar a falta de conhecimento, segundo o sócio-administrador, foi o bom senso e a dedicação integral ao bar e ao restaurante, o que acontece há oito anos. Rezende, agora com 30 anos, acredita que a experiência industrial ajudou muito na profissionalização do seu negócio e ressalta: “A indústria é uma escola de gestão.”

Como surgiu o Café Journal?
Surgiu do amigo, sócio e comentarista de automobilismo, Reginaldo Leme, que em suas viagens aos grandes prêmios de F1 – especificamente em Heidelberg, na Alemanha – costumava se reunir com os jornalistas da área em um pequeno café bar, de nome Café Journal.

Por que o senhor resolveu investir na área?
Quando saí do ramo industrial, estava certo de que iria migrar para o comércio. Entre as várias
opções, avaliei, criteriosamente, qual linha a seguir, qual teria mais identificação. No fim, decidi
muito mais por intuição do que por qualquer outra coisa.

Na sua opinião, o segmento de restaurantes no Brasil está em fase crescente?
Sem dúvida. A cada dia que passa, o bar e o restaurante vêm deixando de ser apenas um fornecedor melhor ou pior de bebidas e alimentos, e, sim, um fornecedor de entretenimento.

O seu empreendimento está no mercado há oito anos. De que maneira se mantém o sucesso de uma marca, na sua opinião?
Disciplina, dedicação, desempenho das funções com amor e paixão, e uma pitada de sorte sempre!

O Café Journal poderia ser definido exatamente como o quê: um restaurante, um bar ou um ponto de encontro cultural?
Eis um ponto importante que venho discutindo com as editorias e os guias focados em bares e restaurantes, pois sempre dividem, de um lado, o bar; e de outro, o restaurante. Ou seja, o “bar e restaurante” não existe para a imprensa especializada! No caso do Café Journal, pode-se dizer que ele é um restaurante formal no almoço, um bar no happy hour, um restaurante descontraído no início da noite e um bar no fim da noite. Tudo isso, muitas vezes, com uma exposição de telas à disposição em nossas paredes, além de discussões sobre notas, aromas e peculiaridades a respeito das regiões de nossos vinhos com os profissionais de serviço do salão.

Por que o senhor resolveu adotar essa linha de estabelecimento diferenciado?
Inicialmente, o Café Journal nasceu com a alma de um bar de chopp, destilados, petiscos e uma gastronomia simplória. Essa linha foi mudando com o tempo, principalmente, por meio de minha imersão no negócio. Fui avaliando minhas aptidões e identificações, as necessidades do mercado e, principalmente, quais as necessidades do público-alvo que, na época, ainda fazia parte de uma minoria freqüentadora da casa.

Quem são os clientes do Café Journal?
Em porcentuais, de uma forma aproximada, 60% das regiões paulistanas de Moema e Vila Nova Conceição. Os outros 40% são freqüentadores de outros bairros, em sua maioria, pessoas com mais de 30 anos, classes B, A e AA.

Como preservar e adicionar constantemente novos freqüentadores?
É preciso apresentar um bom trabalho, que se reflita nos produtos e nos serviços oferecidos. E essa oferta tem de ser constante, nunca porque o restaurante é o point do momento. Esse tipo de atitude acaba atraindo clientes com baixíssimos índices de fidelização, comprometendo a durabilidade e a solidificação do bar e do restaurante. Vale lembrar que o boca-a-boca é o melhor marketing, claro que algumas inserções publicitárias ajudam, principalmente em flats e hotéis, pois essa é a única maneira de receber estrangeiros que fazem parte de nosso público também.

Incluindo bebidas alcoólicas e não-alcoólicas, qual o valor do tíquete médio de seu mpreendimento?
No almoço, o tíquete médio é de 55 reais. À noite, é de 45 reais.

Como cliente, o senhor é exigente?
Sou exigente, mas do tipo construtivo, que aponta a falha sem grandes alardes.

Que tipo de situação jamais suportaria ver em um estabelecimento gastronômico?
O que realmente me incomoda é a falta de procedimentos, no que se refere à higiene e à organização, além do mau atendimento. Errar faz parte de todo processo, porém, é comum verificarmos falhas grotescas e, ainda assim, o atendente não ter humildade para admitir. Infelizmente, é muito comum encontrar nessa área atendentes, garçons, commins etc. que trabalham por oportunidade e obrigação, desempenhando suas funções nitidamente insatisfeitos, e isso reflete diretamente na qualidade do serviço. É preciso trabalhar com paixão; e percebo que, a cada dia, esse profissional torna-se uma raridade.
O senhor acredita que normas como a da ISO 9000 podem ajudar administrativamente a um restaurante?
Especificamente, a implantação da família ISO 9000 somente seria possível com uma excelente base para a padronização dos processos de trabalho. Na essência, o foco dessa família de normas está nos processos, o que funciona muito bem em redes de fast-food. Em restaurantes comerciais, as normas aplicáveis são as exigidas atualmente pela Vigilância Sanitária, que passou a fazer vistorias, fiscalizações e ser bem mais exigente nos últimos tempos. Falo sobre a resolução
RDC nº 216, de 15 de setembro de 2004, que dispõe sobre Regulamento Técnico de Boas Práticas para Serviços de Alimentação (www.anvisa.gov.br). Mais do que isso é utopia,
principalmente a adoção da ISO 9000.

O que o senhor tem a dizer sobre a Anvisa?
É um órgão que merece respeito pela competência do trabalho. Seus profissionais vêm desenvolvendo treinamentos competentes, e o preço cobrado é justo, o que é muito importante para a profissionalização do ramo e para a preservação da saúde dos cidadãos.

As normas ambientais (ISO 14000) são aplicáveis em restaurantes?
Quanto às normas ambientais, a empresa terceirizada que coleta os resíduos do Café Journal, por exemplo, não orienta que o lixo seja seletivo, pois o lixão não separa os resíduos. Fica difícil trabalhar em prol de uma adequação necessária se a base não está preparada, ou seja, este é um trabalho que compete ao Estado e não é realizado!

De que forma o fator qualidade deve ser pensado pelo proprietário de um restaurante?
Acredito que a qualidade deva ser trabalhada isoladamente e dentro do escopo de trabalho para cada restaurante: em primeiro lugar, deve-se estar atento à qualidade no que se refere ao ambiente da casa; em segundo, à qualidade no serviço de atendimento; em terceiro, à qualidade no desenvolvimento e na aquisição das matérias-primas; em quarto, à qualidade nas áreas de produção e manipulação de alimentos e bebidas; e, em quinto lugar, a qualidade no que diz respeito à comunicação visual de cardápios e aos demais métodos de divulgação dos
produtos e serviços oferecidos.

Em sua opinião, os proprietários de restaurantes brasileiros se preocupam com o aperfeiçoamento profissional de seus colaboradores?
No geral, muito pouco ou quase nada, exceto restaurantes ligados intimamente à hotelaria. Normalmente, a rotina desses estabelecimentos é de uma intensa carga de trabalho, o que dificulta o treinamento em prol da melhoria de qualificação dos profissionais do setor.

O senhor investe no treinamento de seus colaboradores?
Sim, na cozinha temos um plano de treinamento de qualificação, principalmente dos cozinheiros e gard managers. Os funcionários de base da cozinha são treinados mensalmente no que se refere à higiene e à limpeza. No atendimento, com o rumo que a venda de vinhos nos possibilitou, acontecem treinamentos quase que diários, referentes aos nossos rótulos, bem como das regiões vinícolas, uvas etc. Também estamos formando toda a equipe de salão em entidades relacionadas a essa área, como a Associação Brasileira de Vinhos – ASBV e a Associação Brasileira de Sommeliers (ABS). Não é possível trabalhar com um bom tíquete médio se não existir melhoria contínua na capacitação por parte do serviço oferecido.
Qual a sua opinião sobre as escolas técnicas ou de graduação (pós-graduação) na área de gastronomia?
Nos últimos anos, as escolas técnicas de gastronomia e pós-graduação deram um grande salto. Houve um surto na demanda de profissionais buscando essa área. Para se ter uma idéia, sempre temos, no mínimo, quatro estagiários de faculdades em treinamento com a nossa chef. O problema no setor está na profissionalização das demais áreas, como barmen, cummins, garçons,
mäîtres, gerentes, caixas. Os cursos oferecidos por algumas escolas, entidades e associações de classe, hoje, são sofríveis. Muitos empresários não vêem com bons olhos a aplicação de dinheiro nesta área, pois os profissionais trocam de trabalho por causa de “dez reais a mais”... Os empresários que vêem por esse ângulo não são líderes competentes do seu próprio negócio. Não perdi nenhum colaborador por “dez reais a mais”. Quando comecei o negócio, tive uma fase de entra-e-sai de colaboradores e detectei que o problema não estava com os profissionais e, sim, em como eu estava conduzindo a equipe. Quando se empenha uma boa liderança, principalmente na gestão humana, caem drasticamente os índices de rotatividade.

O senhor é fiel aos fornecedores de matérias-primas?
No nosso caso, a fidelização aos fornecedores está ligada à qualidade do preço aplicado. O processo de desenvolvimento de novos fornecedores é praticamente diário. Em resumo, a dica para os donos de restaurantes é que as compras devem ser sempre na direção de melhoria de qualidade e de redução de custos, pois é nelas que está a possibilidade de se alcançar patamares razoáveis de lucro líquido.

Qual a sua opinião sobre o mercado fornecedor de equipamentos, matérias-primas e serviços para restaurantes no Brasil?
O mercado de equipamentos é dotado de excelentes marcas e empresas, isso porque elas também são fornecedoras da indústria de alimentos, que é mais criteriosa e exigente. No caso dos fornecedores de matérias-primas, ainda há muita falta de profissionalismo, pois o nível de exigência de grande parte do segmento de bares e restaurantes despreza a qualidade e foca apenas o preço do produto.
O que faz a diferença de um restaurante: atendimento, cardápio, apresentação dos pratos, comida bem-feita, requinte?
Todos esses itens fazem a diferença. Como digo, diariamente, aos meus colaboradores, a diferença está nos detalhes. O senhor acaba de renovar o cardápio de seu restaurante. Com que freqüência isso deve ser feito e qual o retorno que um empresário deve esperar com tal mudança? Depende da estrutura de cada restaurante. Os de pequeno porte têm a possibilidade praticamente diária de modificar o seu cardápio. Para os restaurantes de médio e grande portes, as mudanças possuem um processo operacional mais complexo. No Café Journal, por exemplo, a mudança é semestral. Os investimentos gráficos são grandes, entretanto, são reduzidos com a colaboração de marcas que têm interesse na visibilidade proporcionada pelo nosso cardápio. Não vejo essas modificações no menu como investimento e, sim, como custo fixo. Elas devem estar na previsão orçamentária anual de ajustes e readequações. A introdução de novidades é um item básico na busca pela melhoria contínua dos produtos e serviços oferecidos em um restaurante.

Por que o senhor resolveu investir numa adega de vinhos?
Paixão pessoal pelo produto e por ser um mercado em franca expansão. Sobretudo, porque, se o restaurante apresentar um serviço competente, os índices de fidelização e satisfação dos clientes aumentam. Vale ressaltar um aspecto importante: como se trata de um produto complexo, é preciso melhorar a cultura da equipe de atendimento. Para isso, o investimento em treinamentos é inevitável, porém, como resultado, obtém-se uma melhora sensível do tíquete médio.

Em quanto tempo o senhor espera pagar o valor investido na adega?
Nossa expectativa de retorno do valor investido é de um trimestre. Isso, graças à colaboração de nossos fornecedores na reestruturação. Atualmente, são mais de 20 empresas que totalizam o fornecimento de vinhos tintos, brancos e espumantes.

De que maneira o senhor planeja as áreas administrativa e financeira de seu restaurante?
Por meio de posições financeiras de fluxo de caixa, diariamente. Também fazemos balanço detalhado com todos os demonstrativos das contas fixas e variáveis, no mínimo, mensalmente.

É possível determinar as áreas em que investimentos adequados poderiam diminuir as chances de um restaurante não dar certo?
Sim. O ideal é gastar mais tempo no planejamento do que na execução. De nada adianta um superdimensionamento de equipamentos se não haverá verba mais tarde para as ações de marketing na inauguração do novo restaurante. Essa falta de planejamento estratégico financeiro é muito comum aos novos empreendedores do ramo.

O Brasil se caracteriza como um país forte em termos de associações e sindicatos. O segmento de restaurantes comerciais tem bons representantes?
Não conheço nenhum segmento que esteja sendo representado por sua associação ou sindicato de forma competente e, isso, é lamentável.

Contato:
Denis Rezende é sócio-administrador do Café Journal, situado na Alameda dos Anapurus, 1121, em Moema, São Paulo (SP). Tel.: (11) 5055-9454
www.cafejournal.com.br
denis@cafejournal.com.br

1 Comments:

Blogger Sara said...

Eu me identifico com Denis, porque quando eu abri a minha primeira barra era jovem e tinha experiecia quase nenhuma. Com o tempo eu aprendi coisas sobre comida, cozinha brasileira e internacional, e hoje eu tenho um dos melhores restaurantes em moema.

quinta-feira, 20 setembro, 2012  

Postar um comentário

<< Home