Brasileiros e franceses mostram que o champanhe borbulha de quatro maneiras distintas
Publicado em01/12/2005
O espocar de um champanhe precede a fumarola que se derrama da garrafa, inebria o ambiente com seu perfume de brioche, leveduras, frutas brancas e nozes e anuncia o próximo movimento: verter a bebida dourada e nervosa numa taça estreita e alta, a flûte dos franceses, cujas bordas são tomadas pela erupção de pequenas borbulhas que avançam sobre a superfície do líquido. Passados alguns instantes, a cortina de espuma que agitava a parte superior da flûte se desfaz quase por completo. Mas, das paredes inferiores do copo, continua a brotar a assinatura do mais famoso e imitado vinho, as bolhas de dióxido de carbono(CO2), o popular gás carbônico, um dos dois subprodutos da fermentação dos açúcares outrora presentes na bebida (o outro é o álcool). Servido na taça adequada, e desde que ninguém se atreva a tomá-lo, o champanhe mantém sua efervescência, ainda que de maneira decrescente, por até cinco horas, garantem alguns especialistas – um teste de resistência que raramente deve ter sido feito fora dos laboratórios de pesquisa.Aliás, é justamente da área científica, não da gastronomia, que vem o relato de uma recente descoberta sobre a dinâmica de produção das pérolas gasosas da bebida: físicos brasileiros e franceses mostraram que o processo de formação das esferas de gás carbônico obedece a uma seqüência de diferentes ritmos de borbulhamento em função da passagem do tempo. Enfim, desvendaram a matemática que embala os berçários de bolhas do champanhe, ou quase isso.Parece conversa fiada, mas o achado é sério – e requereu a análise de aproximadamente 16 mil bolhas de gás, provenientes de uma centena de garrafas de champanhe cedidas pela Moët & Chandon, o maior fabricante da bebida. Apesar de representativa do que ocorre no tumultuoso interior dosaboroso líquido, a amostra é uma fração ínfima do total estimado de bolhas contido numa única garrafa de 750 mililitros de espumante, da ordem de 20 milhões de unidades. Os resultadosdo trabalho, cuja parte experimental foi feita na França e cuja interpretação dos dados ficou a cargo dos brasileiros, saíram na edição de setembro da revista científica Physical Review E, publicada pela Sociedade Americana de Física. Os pesquisadores serviram champanhe a 20°C em taças (12 graus acima do recomendado), filmaram e fotografaram com uma câmera ultra-rápida por meia hora as cadeias de bolhas que nasciam em certos pontos dos copos e, por fim, estudaram as informações do experimento à procura de padrões que pudessem estar por trás da gênese das pílulas de efervescência.Encontraram. No mínimo, quatro regimes distintos de borbulhamento, que os físicos chamam de períodos, foram identificados. “Mas, em alguns casos,percebemos até sete períodos distintos”, comenta o físico Alberto Tufaile, da Universidade de São Paulo (USP), estudioso de sistemas caóticos em meios líquidos e um dos autores do trabalho. De qualquer forma, o relato formal dos pesquisadores deu conta, por ora, dos quatro principais padrões de borbulhamento do champanhe.Inicialmente, assim que as taças recebem o líquido, as bolhas surgem aos pares, formam-se em grupos de duas em duas e dessa maneira ascendem até o topo; depois, aparecem de forma mais ou menos desordenada, em levas com um número variável de unidades, como se estivessem numa fase de transição; em seguida, originam-se em trios, em bandos de três em três; e, finalmente, brota apenas uma bolha de cada vez, num movimento tão monótono como o tique-taque de um relógio. As oscilações no ritmo da efervescência nunca fogem a essa seqüência circular de regimes: depois do período em que fabrica uma esfera de gás carbônico por vez, o champanhe volta a gerar contas gasosas em duplas e assim por diante. O tempo de duração de cada um desses quatro padrões de borbulhamento pode variar de alguns segundos — logo após a bebida sercolocada no copo, quando a quantidade de gás carbônico no espumante ainda é elevada e os regimes se sucedem em alta velocidade – a alguns minutos, à medida que os níveis de CO2, no líquido vão sereduzindo.“Depois de aproximadamente 15 minutos que o champanhe foi servido numa taça, aquantidade de dióxido de carbono dissolvida na bebida é muito pequena para provocar mais alterações nos padrões de formação de bolhas”, afirma o físico Gérard Liger-Belair, da Universidade de Reims Champagne-Ardenne, outro autor do estudo e especialista em bolhas de champanhe e de outras bebidas carbonadas. Nos pontos do copo capazes de gerar as pílulas de gáscarbônico, os tais berçários de efervescência, predomina então o regime de produção de uma bolha gerada por vez. Quando a diferença entre dois padrões sucessivos se resume ao acréscimo de apenas uma unidade noritmo de produção do objeto em análise, os físicos descrevem esse fenômeno com o nome técnico derota de adição de período. Também encontrado no movimento das ondas dos mares, nas respostas complexas de neurônios e em circuitos eletrônicos, para ficar em apenas alguns exemplos, a rota de adição de período indica, às vezes, que se está na ante-sala de um sistema caótico.
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