Significados não explícitos da degustação
Nunca se é o mesmo depois de um curso de degustação. E não se pode dizer que sua função seja apenas formar o novo paladar. Alguns antropólogos apontam uma função pouco nobre para a nova cultura do vinho: ela esconde uma nova política sobre a embriaguez.
Para eles, há em curso uma sibilina tentativa de se combater o alcoolismo através de uma cultura do gosto e, por isso, denunciam a confusão entre alcoolismo e alcoolização –assim como o culto ao terroir, à paisagem bucólica dos vinhedos e a “volta à tradição”- que nos dispensam de discutir a dosagem, o risco calculado, a embriaguez, a alteração dos estados de consciência e o simples fato de que "o consumo de vinho diminui à medida que avança o dos antidepressivos" 4.
Que a moda do vinho expresse uma política relativamente bem sucedida de substituição dos destilados pelos fermentados, especialmente na cultura de consumo norte-americana, é algo que nos faz pensar numa articulação objetiva entre o charme e a sedução do senhor Mondadori e o Departamento de Estado. O filme “Mondo Vino” mostrou a ponta do iceberg.
Mas a filosofia da degustação não possui apenas um caráter utilitário. Ela se enraíza numa descontinuidade entre o indivíduo e a as comunidades de sentido anteriores, obrigando-o a novas eleições gustativas, que são, ao mesmo tempo, eleições de vínculos sociais, dentro de uma verdadeira síndrome da escolha.
Como o vinho, o sal, a água, o azeite, o chocolate se apresentam como múltiplas portas de entrada para o mundo, sendo quase impossível penetrar os seus domínios, desarmado de conhecimentos novos. As “confrarias”, os rituais de degustação, os chefs, someliers, baristas –todos denunciam de algum modo a base instável da alimentação cerimonial numa sociedade que trocou o comer em família (reduzido a 80 minutos por semana, nos EUA) por um número crescente de tomadas alimentares fora de casa.
Que o conhecimento onde se funda a re-ritualização tenha se tornado mercadoria (os cursos de vinhos, as degustações pagas...) não é coisa espantosa. Afinal de contas, tudo é trabalho, não só o capinar. E o maravilhoso mundo novo da degustação não nos propõe justamente recriar nexos entre a natureza diversificada, a produção e o consumo cerimonial, coisa que a grande indústria havia esfacelado ao nos apresentar, por exemplo, a água como um universal químico sob a velha fórmula H2O?
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